Rode Medeiros

Autocuidado e a analogia do rio

No caminho para um sítio que eu frequentava há alguns anos, havia um rio que beirava a estradinha de acesso. Quando a gente passava por lá, era maravilhoso ouvir o barulho do rio correndo em seu leito. Algumas vezes, paramos na beira. Não entrávamos pois a correnteza era forte e tinha muitas pedras, mas víamos a clareza da água totalmente transparente e sentíamos o frescor que chegava até nós. De tempo em tempo lembro-me deste rio, de seu barulho e de suas águas puras e frescas correndo no meio das pedras e refleti sobre autocuidado e a analogia do rio.

A partir desta imagem do rio podemos aprender um pouco sobre o autocuidado tão necessário para que possamos construir uma vida com qualidade. Imagino cada um de nós como rios de águas puras, limpas, refrescantes, correndo entre pedras, em direção ao propósito, levando vida por onde passa. Em cada um a água que promove limpeza, frescor, vida, renovação, vitalidade, está presente. Por vezes este rio corre livre e feliz. Por vezes, este rio sofre intempéries que tentam secá-lo ou poluí-lo atrapalhando o atingimento de sua real vocação: levar vida por onde passa. Podemos deixar o rio secar? Podemos deixar o rio poluído?

Rio fluindo

 

Somos como um rio:

As três partes mais conhecidas de um rio são: nascente, leito e foz. Em nosso rio de vida também identificamos essas três partes:

  • nascente

A nascente de um rio é um local onde a água subterrânea atinge a superfície, dando origem a seu curso. Pode ser uma fonte, olho d´agua, mina, manancial. É onde o rio nasce.

Nós também temos uma nascente que é o local onde nasce o nosso amor pela vida. Sempre digo que nós não sabemos, como seres humanos, o porque estamos aqui neste planeta, porque nascemos e porque morremos. Mas enquanto estivermos aqui é nosso propósito cuidar de nós e cuidar de quantas pessoas pudermos para que todos desfrutemos deste rio de vida neste lugar.

Essa nascente de vida em nós pode surgir através:

  • Conexão espiritual: muitas pessoas tem, como fonte de vida, a fé na presença, cuidado e amor de Deus sobre elas. Essa fonte passa a dar esperança, consolo e resiliência que faz com que amem a vida recebida.  Para essas pessoas, o fluir de suas vidas depende da conexão com o divino de quem receberam e a quem darão conta de suas ações;
  • Amor por outro ser humano: outras pessoas tem sua  nascente na experiência de amor com outra pessoa que pode ser seu parceiro/parceira amoroso, filho, filha, mãe, pai, alguém que o salvou, alguém por quem seja muito grato. Pode ser também que haja uma necessidade de exercer cuidado e proteção por alguém.  Neste caso, a nascente é a necessidade do outro.  É um amor de união de almas que faz com que a vida valha a pena ser vivida porque a outra pessoa existe;
  • Propósito de vida: há os que descobrem que tem um propósito específico nesta terra. Tão específico que a vida passa a ser fluída para atingir seu propósito. A nascente jorra vida que corre para o propósito como um rio corre para o mar.

A nascente fica mais potencializada quando as três fontes estão interligadas.

  • leito

O leito de um rio é caminho por onde o água percorre. Neste percurso, há um movimento de carregar e depositar detritos, abrir caminhos, aumentar a velocidade e acalmar, server de ambiente para peixes e outros animais, evaporar e receber chuva, ter afluentes e ser subafluentes, etc..  A própria água molda o seu leito.  A analogia com a nossa vida é enorme. Nós estamos fluindo vida e percorrendo o caminho do nascimento até a morte passando por pessoas, situações e experiências que cooperam com outros ao nosso redor. Abrimos caminhos, recebemos informações e conhecimento e os repassamos. O leito é a nossa própria vida e o que fazemos dela.

Há leitos de rios muito largos que parecem um mar. Outros estreitos. Uns são cheios de pedras e obstáculos formando cachoeiras ou meandros.  Outros livres e tranquilos. A água passa por todos levando vida. A reflexão sobre o leito do nosso rio da vida nos motiva a valorizá-lo. Quais caminhos o nosso rio de vida tem moldado?

  • foz

A foz é onde a água do rio desagua. A impressão que se tem é que a foz é o símbolo da nossa morte. Mas não vejo assim. A foz de um rio pode ser outro rio, um lago, uma lagoa, mar ou oceano. É onde ele se mistura com outras águas e se torna algo maior. Penso na foz do rio da vida como algo realizado, concluído, um destino encontrado. É uma nova etapa da vida que irá se unir com outros rios e formar novos objetivos.

Rios sem vida

Nem sempre o fluir de um rio é tão sereno assim. Por vezes, há interrupção do processo natural de vitalidade do rio. É a nascente que vai secando, o assoreamento e a poluição no seu caminho e na sua foz. O  rio fica turvo, levando sujeira, cheirando mal, perdendo clareza, matando peixes, deixando de cumprir seu propósito de levar vida e frescor.

O Zeitgeist (espírito deste tempo) atormenta o fluir de muitos rios. É o mal deste século. Vemos pessoas secando sem o espiritual, isoladas de quem as ama, achando que nada tem sentido na vida. Os questionamentos exagerados,  medo de acreditar em tolices,  amor condicional,  privacidade que repele o próximo, autocobrança, preocupação excessiva com a aprovação ou rejeição dos outros vão transformando rios puros, claros, limpos em rios assoreados, poluídos, sem vigor. Rios que eram para fluir livremente pois levariam vida por todo o seu caminho, tornam-se parados, estagnados, cobertos de bactérias.

Quando a nascente fica comprometida, o rio para e água parada cria bicho. Surgem os pensamentos negativos,  tudo é ruim, tudo é difícil. Só enxerga os problemas e não vê as várias opções de solução. O caminho torna-se escuro e sombrio.

Vemos ao nosso redor muitos rios de vida poluídos deixando de levar vida. São parentes, amigos, clientes cheios de vida pura e limpa que sofrem com a poluição de pensamentos negativos, isolamento, falta de amor-próprio, se sentindo inadequados.  Já experimentei um pouco disto quando a frustração me levou a pensar que a vida não teria sentido e que tudo era falso e escuro. O peso no corpo refletia a poluição na alma e nos pensamentos. A fluidez da vida ficou estagnada. A conexão com o espiritual estava abalada, o sentimento de ser amada ficou condicional e o propósito sumiu.

Mas nós, assim como os rios, temos água para fluir e não podemos aceitar o comprometimento de nosso rio e achar que é assim mesmo.

Como identificar se o rio da vida está ou não poluído e assoreado?

  • Vigor – há energia e vigor quando levanta-se pela manhã?
  • Esperança – tem boa expectativa do futuro e se vê feliz neste futuro?
  • Objetivos – tem objetivos claros onde os dons e talentos naturais são aproveitados?
  • Atividade – consegue fazer o que deseja fazer?
  • Superação – consegue superar os obstáculos e as dificuldades de cada dia?
  • Criatividade – consegue enxergar as várias opções de solução de problemas?
  • Realidade – consegue ser realista sobre as reais possibilidades de realizações?
  • Realização – realiza o que se propôs a realizar?

A percepção do estado real do rio pode trazer a inquietude necessária para começar a limpeza necessária.

Voltando a fluir vida

O primeiro passo sempre é a identificação que tem um rio de vida correndo em nós. Este rio deseja e merece estar limpo. Nenhuma poluição, por  mais comum e corriqueira pode ser considerada aceitável. Pedir ajuda é o fundamental para a limpeza do rio da vida. E ajuda de profissionais qualificados que darão os remédios necessários para limpar o rio da vida. Porém, além dos remédios, há a necessidade de atitudes. A dificuldade é que justamente as atitudes necessárias são rejeitadas por aqueles que estão com o rio da vida poluído por não terem força necessária para se mover em prol das atitudes. Então, assim que  percebe que está vivenciando uma melhora, ainda que pequena, no rio da vida, é necessário partir para:

  • conexão com as possíveis nascentes, sem questionamentos e sem medo
  • limpar o leito, expulsando os detritos para as margens do rio
  • misturar águas sendo afluente de outros rios limpos
  • identificar e fechar as entradas de canais poluídos e sujos
  • se movimentar, correr, agir
  • saber que pode errar pois errar é característica de quem faz
  • saber que tem muitos ao seu redor que precisam do seu rio de vida.

Há um livro que sempre recomendo aos meus clientes, que é Em busca de sentido, de Viktor Frankl. Vale a pena pois ele conta sobre a vida e a superação dos absurdos no campo de concentração.

Gerando energia para muitos

Após a limpeza das águas, é possível represar, fazer comportas para controle das águas e  turbinas que irão gerar a energia mecânica e com gerador, irão gerar a energia elétrica. Os rios de águas geram energia elétrica limpa que atende milhões e milhões de pessoas em suas necessidades.

O rio de vida que corre em você e em mim, pode ser controlado e turbinado para também gerar a energia necessária que irá apoiar a vida de muitas e muitas pessoas a serem bem melhores. É neste momento que surge o coaching como uma turbina. Após a mente limpa, o vigor renovado, sem lixo travando o processo, a turbina é colocada e a vida flui em direção ao seu destino.

Autocuidado

Após esta analogia com o rio de águas, o rio da vida pede autocuidado. Não cabe ao outro fazer a limpeza em nosso rio da vida. É cada um de nós que tem a responsabilidade de cuidar de si. No entanto, outros rios de vida podem ajudar muito, compartilhando a vida com seus erros e acertos, torcendo uns pelos outros, motivando uns aos outros e fluindo… apenas fluindo….

Meu desejo sincero é que, com este texto, este rio da vida daqui encontre vários outros rios de vida e geremos muita, muita energia limpa.

 

 

 

 

 

 

 

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